“Todo poema é uma espécie de carta.
Todo poema contém uma história...”
Assim pensava Caíque, enquanto atravessava a rua assobiando.
“Não uma história normal, com começo, meio e m”, ele dizia a si mesmo.
“Poemas contam outro tipo de coisa. Como um fragmento da vida de uma pessoa. Ou talvez a história de um nome próprio. Sua mãe sempre lhe dizia que tinha escolhido o nome Caíque do antigo idioma tupi. Caíque signi ca o pássaro que voa sobre as águas. Ele gostava disso. Mesmo que, às vezes, sua mãe lhe dissesse que se arrependia dessa escolha, porque ele vivia com a cabeça nas nuvens.
Contam coisas como um pedaço da história do dia em que ele tinha sentado no banco da praça, ao lado de seu Ângelo, o melhor sambista da cidade, em seu entender. Ou ainda, o novo poema que se desenha- va agora em sua imaginação, enquanto ele tentava capturar o momen- to em que descobriu a combinação das palavras com a música. Isso levou-o a olhar para as aves da praça.
Pensar que as aves voam para longe como palavras ao vento. Ouvir o canto delas, que era tão variado quanto as falas das pessoas. Nuvens... Poemas podem se desenhar na mente da gente. O segredo é saber como capturá-los.
Caíque correu até a praça.
Escolheu o banco vazio, sob a árvore antiga, acolhedora. Tirou o caderno da mochila. Abriu na página em branco. Olhou para o céu. E desenhou um poema...
Sorriu satisfeito.
Respirou fundo.
Levantou-se e seguiu a caminho da escola, atravessando a praça. Caíque sentia-se feliz ao lembrar do ano passado.
Todo mundo dizia a Caíque que ele tinha conseguido realizar seu sonho. Achavam que o garoto agora era um poeta. E o menino ria e respondia que nem rimar direito ele sabia. Para Caíque, era como se a poesia que brotava em sua cabeça zesse com que ele conseguisse enxergar coisas....
Nada era chato na sua vida, porque, aos seus olhos, não existia tédio. Qual seria o contrário de chato? Legal? E a diferença entre um e outro?
A poesia de Caíque não tinha só a ver com coisas bonitas, como o voo das aves ou o canto do sabiá. Se tinha uma coisa que ele sabia fazer bem era poema-piada, poema-imagem, poema-tristeza para se alegrar. Poema vazio. Poema silêncio. Poema que não acabava mais.
Quando Caíque dizia um poema, todos paravam para ouvir. Mas teve também quem o criticasse, quem lhe dissesse que toda poesia é inútil no nal.
Caíque devolveu:
E a vida é útil?
A gente serve para quê?
E ele mesmo concluiu:
Toda vida é um poema, todo poema é vida.
Quando minha irmã nasceu eu morri de ciúmes.
Ela era minha boneca. Ninguém mais podia brincar com ela. Quando chegavam as visitas, eu logo dava um jeito de fazer algo estranho para afastar todo mundo de perto da Alice.
– Olívia! O que é isso, minha filha? Você quer tanta atenção assim?
O problema é que eu não queria que reparassem em mim. Eu só não gostava que ficassem pegando a minha Alice querida. Eu nunca imaginei que uma irmã que acabou de sair do hospital, pudesse ser bonita: a testa redondinha, os cabelos cacheados e a mãozinha que queria pegar meu dedo para brincar.
– A Alice é minha irmã! – eu dizia – e ela vai dormir no meu quarto depois que ficar maiorzinha.
E nós vamos brincar, tomar banho, viajar, ir para a escola, fazer tudo juntas...
Minha mãe não sabia o que fazer comigo. Muitos meses se passaram. A Alice ficou cada vez mais linda e eu cada dia mais ciumenta. Então, a idéia veio da cabeça do meu pai...
– Eu acho que conheço uma vacina anti-ciúme para Olivia! É tão simples! Ela precisa de um bebezinho só dela, alguém que ela adore...
– Ah, não, George! – disse a mamãe – está cedo demais para termos outro bebê!
– Bebê? – papai perguntou e depois não disse mais nada.
Fiquei sem dormir, só pensando no que Papai estava tramando. No dia seguinte, logo no café da manhã, ele disse para todas nós:
– Amanhã é dia de escolher cachorrinho... Vamos levar as meninas até o abrigo para que elas adotem um filhote. E cuidar dele será total responsabilidade da Olivia, certo, minha filha linda?
Outra noite sem dormir.
Eu nem acreditava em tanta felicidade! Eu sempre sonhava em ter um cachorrinho e o Papai tinha adivinhado o que eu mais queria...
Ao chegar ao abrigo, Mamãe desceu primeiro do carro, com a Alice no colo. Eu nunca poderia imaginar que uma bebezinha ficaria tão feliz num lugar cheio de cãezinhos. Alice não parava de rir. Batia palmas. Gargalhava. Nós passamos por cachorrinhos de todos os tipos, cores, tamanhos e idades... Como decidir?